O QUE É FEITO DOS NOSSOS BRANCOS?

No dia 7 de Dezembro, na Casa de Angola, em Lisboa, na apresentação do meu livro “Eu e a UNITA”, William Tonet referiu-se ao autor do livro como “incolor”, dizendo que “os nossos brancos” “foram encaminhados para a Arca de Noé da retornança, no processo de transição do Acordo do Alvor”, Identificando de uma forma muito objectiva a questão “racial” como sendo uma temática de grande fragilidade na construção da República. No ar ficou a pergunta: “o que é feito dos nossos brancos”?

Por Orlando Castro

Ao tentar escorraçar, eliminar, extinguir os angolanos da etnia branca, o MPLA cometeu (e continua a cometer) um crime mensurável no facto de, por exemplo, Angola ainda hoje não ter atingido os índices de equidade social que registava em 1973/74. Escudados na razão da força, os dirigentes do MPLA mais não conseguiram do que mostrar o seu monstruoso complexo de inferioridade.

Ao contrário da tese do MPLA, a culpa não é só dos brancos portugueses de hoje que, ao contrário dos de ontem, procuram sacar tudo o que podem, começando o exemplo pelos governantes, passando pelos gestores e administradores públicos e restante casta.

A culpa também é nossa que colocamos os de ontem, muitos dos quais deixaram mesmo o cordão umbilical em Angola, ao mesmo nível dos de hoje, ou muitas vezes a um nível bem mais baixo.

É verdade que são aos milhares os portugueses africanos que agora nasceram de gestação espontânea, uma espécie de mercenários que nada têm em comum com muitos outros portugueses de outrora, esses sim africanos de nascimento, alma e coração.

Os novos descobridores vêm para Angola rica sacar tudo o que for possível e depois regressam à sua normal e tipificada forma de vida, voltando a ter a porta sempre fechada aos angolanos.

Com a conivência consciente das autoridades angolanas do MPLA (no Poder há 48 anos), que não dos angolanos, Portugal aposta tudo o que tem (lata) e o que não tem (dignidade) nos muitos mercenários que têm as portas blindadas e sempre fechadas, remetendo para as catacumbas todos aqueles que sempre tiveram a porta aberta.

A grande diferença é que os brancos europeus, os que aceleram na tentativa de chegar à cenoura na ponta da vara do MPLA, sempre consideraram (quiçá com razão) que até prova em contrário todos os estranhos (angolanos brancos) são culpados.

Já os membros da etnia branca de Angola, os que deram luz ao mundo, os que choram ao ouvir Teta Lando, Elias Dia Kimuezo, Carlos Lamartine ou os N’Gola Ritmos, entendem que até prova em contrário todos os estranhos são inocentes.

Em Angola, os brancos angolanos aprenderam a amar a diferença e com ela se multiplicaram. Aprenderam a ser solidários com o seu semelhante, fosse ele preto, castanho, amarelo ou vermelho.

Na Europa, os brancos aprenderam a desconfiar da diferença e a neutralizá-la sempre que possível. Aprenderam a ser individualistas mesquinhos e a só aceitar a diferença como exemplo raro das coisas do demónio. É claro que que a principal diferença, a cor da pele, não se nota nos ucranianos mas nota-se na maioria dos angolanos…

Com o re(in)gresso de milhares dos nossos bancos ao Portugal europeu, a situação alterou-se apenas por breves momentos. Tão breves que hoje, 48 anos depois da debandada africana, quase se contam pelos dedos de uma mão os que ainda se assumem como membros da etnia branca de Angola.

Isto é, muitos dos portugueses europeus que foram para África tornaram-se facilmente africanos. No entanto, ao re(in)gressarem às origens ressuscitaram a velha mesquinhez de um país virado para o umbigo, de um país de portas fechadas. Voltaram a ser apenas europeus.

Nessa mesma leva regressaram muitos dos nossos brancos angolanos. Esses não re(in)gressaram em coisa alguma. Mantiveram-se fiéis às suas raízes mas, é claro, tiveram (e ainda têm) de sobreviver.

Apesar disso, só olham para o umbigo de vez em quando e as suas portas só estão meio fechadas.

Acresce que muitos destes acabaram por constituir vida em Portugal, muitos casando com bancos europeus. Por força das circunstâncias, passaram a olhar mais vezes para o umbigo e a porta fechou-se quase completamente.

Chega-se assim aos filhos, nados e criados como “bons” brancos europeus. Estes só olham para o umbigo e trancaram a porta. Por muito que o pai, ou a mãe, lhes digam que até prova em contrário todos (brancos, pretos, amarelos, castanhos ou vermelhos) são inocentes, eles já pouco, ou nada, querem saber disso.

Por força das circunstâncias, os nossos angolanos brancos diluíram-se no deserto europeu, foram colonizados e só resistem alguns malucos que, por força dos seus ideais, admitiram que o presente de Portugal poderá estar na Europa, mas sempre e desde sempre tiveram a certeza que o futuro estava em África.

No entanto, quando queram participar nesse futuro africano, os donos de Angola (o MPLA) não deixam. E, assim, continuam a ser apátridas.

Num artigo publicado no Folha 8 em 11 de Maio de 2022, Carlos Pinho, angolano da etnia branca e docente da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, escreveu:

«(…) Ora o que o MPLA faz e tem feito desde que o poder em Angola lhe foi entregue pelo MFA português, foi ressuscitar o conceito de branco de segunda ou quiçá de terceira ou quarta categoria. A menos, é claro que o branco em causa fosse mais MPLA fanático que todo e qualquer negro simpatizante do mesmo movimento ou partido. Ou seja, todos os que não foram na conversa do MPLA foram tratados abaixo de lixo, salvaguardando-se os brancos fanáticos do partido e mesmo assim, alguns destes sofreram a bom sofrer. O exemplo da médica da maternidade de Luanda, Maria Fernanda de Sá, que por desmentir que a FNLA comia pessoas, teve um tratamento exemplar em finais de Julho de 1975, mostra à sociedade e à saciedade o modus operandi do MPLA.

«E agora – 2022 – o partido no poder em Angola há mais de 46 anos, prepara-se para encetar uma nova caça às bruxas. Senão atente-se no que o governo pretende fazer passar pelo seu crivo, os resultados de quaisquer sondagens. Está bem de ver o que o MPLA pretende mais uma palhaçada à moda do terceiro mundo. Uma completa mascarada, impondo resultados fictícios às sondagens para esconder de todos, o descontentamento da população. Temos aqui um exemplo claro de uma nova variante ideológica, uma variante do século XXI, do social-fascismo, típico dos partidos políticos e regimes políticos que tinham um discurso social, mas eram fascistas nos seus actos. Esta versão actual de tal ideologia poderá ser classificada como social-putinismo. Social nas palavras, putinista nos actos.

«Ou seja, o partido pretende, tal como o seu mentor ideológico, e líder do imperialismo russo, o tal sem vergonha do Putin, levar a cabo uma desnazificação do povo angolano, reorientando as suas escolhas políticas e ideológicas, sendo que para tal não se coibirá de peneirar devidamente o que deve vir a público. Isto é, os angolanos, não só os brancos que são uma raça quase em extinção graças aos bons ofícios do MPLA, mas todos, independentemente da sua cor da pele, são cada vez mais apátridas na sua própria terra, pois que a menos que digam cegamente ámen ao partido, não podem ter quaisquer outras opiniões.

«E quer para os apoiantes cegos do partido, quer para os que não vão na conversa do MPLA, lá estará o governo benfazejo sempre predisposto a orientar, de boa-fé, é claro, as suas opiniões e votos. Para isso a crivagem que o governo pretende fazer aos resultados das sondagens. Os crentes e clientes do MPLA certamente que ficarão agradecidos ao partido pela sua bondade. Terão quem pense e vote por eles. Os outros, que não vão na conversa do MPLA, essa massa ignara e mal-agradecida, terá, vindo de cima, qual espírito santo de trazer por casa, uma orientação superior que certamente os levará a bom caminho. A menos que sejam muito teimosos e então poderá acontecer-lhes, por exemplo, o que aconteceu em 1975 à médica da maternidade de Luanda, Maria Fernanda de Sá, ou o que aconteceu àqueles desafectos mal-agradecidos de Maio de 1977.»

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